terça-feira, 5 de setembro de 2023

JOGOS OLÍMPICOS DE MONTREAL 1976


 

Lanny Bassham

A glória do vencedor

A partilha da vitória

 

 

 

Uma despudorada verdade - um atleta só o é, na completa acepção da palavra e da realidade, quando a par das suas capacidades técnicas, alia as de um homem de carácter – porém, esta afirmação se esvai quando os são princípios do desporto são, completamente desvirtuados e muitos atletas são permeáveis a processos incorretos e podem vender a alma ao diabo em busca da suprema exultação da vitória.

Foi um momento muito especial com a atenção assistente centrada naquela cerimónia final de atribuição de prémios, um pódio e três atletas no crucial momento de ver compensada a sua actuação. No topo, Lanny Bassham (EUA), pronto a receber a medalha de ouro da prova de “carabina de pequeno calibre em três posições”, na prata Margareth Murdock (EUA), e no bronze Werner Seibold (RFA).


No preciso momento em que começa a soar o hino americano, o atleta laureado e declarado vencedor, num gesto rápido mas decisivo, amarra a atleta do segundo lugar e puxa-a para junto de si e ambos escutam o símbolo do seu país. Assim foi até ao fim, com o público surpreso mas encantado com o gesto.

Porquê?

No fim da disputa, dos muitos tiros de carabina, nas três posições impostas, de pé, de joelhos e deitados, o júri contabilizou os pontos dos atiradores e verificou um empate técnico nos dois primeiros, Lanny Bassham, um homem, e Margareth Murdock, uma mulher, por sinal ambos do mesmo país.

Decorriam as provas de tiro dos Jogos Olímpicos de Montreal, em 1976.

Após um exaustivo exame aos alvos de ambos, os juízes declararam Lanny Murdock como vencedor. De imediato este dirigindo-se aos homens que declararam o veredicto sugeriu que a medalha de ouro fosse repartida por ele e pela Margareth que tinha sido relegada para o segundo posto e na realidade, nenhum tinha sido melhor do que o outro!

Solicitação indeferida.

Insatisfeito acabou por se submeter à decisão dos juízes.

Este homem foi campeão mundial em 1974 e 1978, venceu por três vezes os Jogos Pan-Americanos e vinte e duas vezes campeão americano. Seria posteriormente a Director de Tiro da Selecção Americana aos Jogos Olímpicos. Criou uma empresa que promovia cursos de ensino de gestão ambiental para empresários e atletas, caso de alguns jogadores profissionais de golfe. Foi também criador de cavalos.

Aquela cena do pódio, uma atitude improvável nos tempos que correm!

 

Autor: ILÍDIO TORRES

Membro da Academia Olímpica

Comité Olímpico de Portugal

sábado, 2 de setembro de 2023

 

JOGOS OLÍPICOS DE TÓQUIO 1964

 

Lars Gunnar Kall e Stig Lennart Kall

O fair-play que superou o sabor da vitória



 

 

 

A partir de 1964, o Comité Olímpico Internacional tem, à sua disposição, um instrumento capaz de premiar todos aqueles que demonstrassem comportamentos, a todos os níveis raros e ligados ao que poderíamos apelidar de desportivismo – a filosofia que Pierre de Coubertin advogou inserida no verdadeiro espírito olímpico.

Devido a esse comportamento, já alguns foram premiados com tal distinção.

Lars Gunnar Kall e Stig Lennart Kall, dois velejadores suecos, irmãos e amantes do desporto, protagonizaram um dos mais extraordinários atos desse exemplo e espírito.

No decurso de uma prova olímpica, na modalidade de vela, entregues à tarefa de manobrar a sua embarcação como os demais, buscavam a melhor classificação, a fim de cortar a linha de chegada para vencer a regata - mais uns pontos a juntar para a classificação final.

Em determinado momento, foram confrontados com um inesperado acontecimento - acabavam de verificar que a equipa australiana, constituída por John de Dawe e Ian Winter, tinha naufragado, e a embarcação encontrava-se, completamente, virada. De imediato, os velejadores suecos tomaram consciência de que os seus adversários se encontravam numa situação muito perigosa a necessitar de ajuda imediata que não estava ao alcance da equipa de apoio oficial. Ma verdade, os australianos encontravam-se num momento, tremendamente, angustiante, um ainda a tentar vencer a força do mar e o outro agarrado à embarcação.


Os suecos alhearam-se completamente da prova que estavam a disputar e viraram o seu barco em direcção aos dois necessitados australianos que foram socorridos de imediato, primeiro o Winter e depois o Dawe, metidos no Hayama, o barco sueco.

O acto de coragem de ambos redundou na perda da regata mas na salvação dos australianos, apreciado em todo o mundo. A referida regata de qualificação iria ser vencida pela Nova Zelândia, seguida da Grã Bretanha e dos Estados Unidos.


Autor: ILÍDIO TORRES

Membro da Academia Olímpica de Portugal

Comité Olímpico de Portugal

terça-feira, 29 de agosto de 2023

 JOGOS OLÍMPICOS DE LOS ANGELES 1932

 

Por amor a um cavalo

Vencer com dignidade


 

 

 

Por amor a um … cavalo!

O homem e o animal, dois seres, uma ligação geradora, sentimentos mútuos.

O inusitado mas nobre comportamento de um cavaleiro que demonstrou ter na sua montada mais do que um simples animal, antes um companheiro de tantas lides desportivas, um aliado nas boas e nas horas más da sua prática.

Quem o demonstrou foi Shunzo Kido quando participou nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1932, integrando a equipa equestre japonesa.



Foi um momento extraordinário, um comportamento muito especial na prova que disputava. No decorrer das várias tarefas e do esforço que vinha a provocar à sua montada, o japonês tomou consciência que o dueto se desfazia, que o animal, farto e cansado, se encontrava num estado físico deplorável. Mesmo que se decidisse a forçar o cavalo podia correr o duplo risco, o de lhe provocar algo de muito perigoso e os resultados desportivos serem os mesmos! Optou por terminar ali a sua prestação e poupar a sua montada que havia já dado tudo o que podia.

O mais significativo era que, no momento, a equipa japonesa se encontrava na liderança da competição!

Os Jogos ficaram para trás e o seu feito iria ter repercussões pois uma organização americana de cariz humanitário, de Riverside, na Califórnia, homenageou o atleta japonês pelo seu gesto e respeito pelo animal - trocar a vida do seu cavalo pela glória de vencer.

Relativamente ao atleta em questão, ele mesmo confessou que a honra de participar nos Jogos Olímpicos se revestia de algo completamente diferente de participar num qualquer mundial. A prova em questão fazia parte de uma especialidade de um denominado “concurso completo”, uma distância de 32,29 quilómetros a vencer através de vários percursos com cinquenta obstáculos a ultrapassar, um verdadeiro sacrifício, um esforço violento tanto para o cavalo como para o cavaleiro. Tomou a sensata decisão de terminar a prova olhos postos no seu amigo, coberto de suor - continuar seria poder condená-lo a uma morte prematura.

O seu gesto não passou alheio a pessoas assistentes que não deixaram de sentir algo diferente ao presenciarem o cavaleiro afagando o seu cavalo – dizem que espectadores mais sensíveis não conseguiram reprimir as lágrimas.

 

quinta-feira, 24 de agosto de 2023

 JOGOS OLÍMPICOS DE LOS ANGELES 1932

 

Um triunfo repartido

Uma medalha cortada ao meio!




Sentença de Saomão, um campeão frustrado!

Participar, vencer e ser distinguido – subir ao pódio, escutar o hino do seu país e receber o tão almejado ouro - a competição, a vitória e o reconhecimento na cerimónia, o fim e o … regresso a casa com o tão apetecido prémio.

Assim não aconteceu com Lauri Lehtinen.

Finda a sua prestação atlética, insatisfeito, rumou a casa, para a sua Finlândia, com os neurónios esticados, a rebentar. A sua consciência era uma autêntica bigorna onde, em marteladas constantes, algo o inquietava. Partia dos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1932, com uma medalha de oiro na bagagem, a dos 5 000 metros, uma prova que disputara até ao final, até ao milésimo de milímetro! Fora considerado vencedor e ao seu mais directo adversário, o norte-americano Ralph Hill, subordinado ao mais estranho dos julgamentos do cronómetro foi-lhe atribuído o mesmo tempo!

Trazia ainda vivo na memória o desagradável momento em que já no pódio, a cerimónia foi ensombrada pelos apupos do estádio, um público afecto ao seu compatriota Hill. Na verdade, ambos haviam cortado a meta, ombro a ombro, mas na plena demonstração da mais alta nobreza do seu carácter, o americano, ele mesmo, havia recusado apresentar um protesto pela decisão dos juízes. Perante aquela reação popular, Lauri ainda esboçou e tentou mesmo trocar de lugar no pódio, reconhecendo a Hill o direito ao ouro – o americano recusou, afirmando que não estava em causa a prata ou o ouro!

Comportamentos, hoje, impensáveis!

Lauri Lehtinen, o atleta em questão, haveria, de posteriormente, protagonizar uma das mais estranhas mas compreensíveis atitudes, a de querer repartir o triunfo com o seu adversário vencido, o tal Ralph Hill. Foi uma extraordinária decisão que o haveria de marcar no futuro, pois desde a cerimónia de atribuição do prémio que, dentro de si, se desencadeou um autêntico massacre.

E o porquê de tal estado de espírito?

Na disputa da prova e no espaço habitualmente designado por recta final, escolhido pelos atletas para o ataque decisivo, Lauri havia-o feito aos ziguezagues, uma atitude aceite na Europa mas não tolerada na América, acabando então o público assistente que enchia o Estádio Olímpico por vaiar o finlandês!

Dizem que, quando aportou à Finlândia, com uma intenção suficientemente amadurecida, buscou um serralheiro e pediu-lhe que serrasse a medalha ao meio!

Sim, dividida em duas partes iguais! 




Não sei de que modo mas a verdade é que Hill recebeu em casa o tão especial presente e uma mensagem na qual se explicava que a vitória fora dos dois e que, na hipótese de não haver duas medalhas, lhe enviava a sua parte.

Quatro anos volvidos e novos Jogos Olímpicos, os de Berlim, em 1936 - Lauri Lehtinen voltou a ser selecionado e a disputar a final dos 5 000 metros, desta feita tendo como principal opositor o seu compatriota Gunnar Hockert que se tinha já afirmado como um autêntico campeão, detentor de vários recordes mundiais. Lauri foi vencido por Gunnar , um infeliz que haveria de ver a sua carreira desportiva, subitamente, interrompida, acabada mesmo, devido a problemas súbitos de reumatismo que o impossibilitaram para sempre de praticar a modalidade. Procurou a consolação noutros combates que não os das pistas dos estádios - num gesto patriótico inscreveu-se como voluntário no exército e foi incorporado num destacamento destinado a combater o denominado Exército Vermelho, os Russos, na guerra do Istmo de Carélia, onde haveria de encontrar a morte.



Este acontecimento iria abalar o amor-próprio de Lauri que, noutro gesto também muito singular, ofereceu a sua medalha de prata, a do segundo lugar da passada final que havia disputado com ele nos referidos Jogos Olímpicos de Berlim, a um soldado companheiro do morto – uma homenagem em que o sentimento pátrio se sobrepôs a todas as medalhas.

terça-feira, 22 de agosto de 2023

 JOGOS OLÍMPICOS DE PEQUIM 2008

 

Quem é o vencedor?

Decidem os atletas!

 

 

 

 

A prestação do atleta e o julgamento final!

Apurar e declarar um vencedor numa qualquer prova é, certamente, uma tarefa inata da competição desportiva, cada vez mais isenta de dificuldades agora que a tecnologia vai sendo um fator determinante. Todavia, casos houve (e continuam) em modalidades onde o desempenho dum atleta, sob julgamento de um declarado árbitro, se pode revestir de alguma dificuldade acrescida.

Um exemplo muito paradigmático dessa realidade pode ser encontrado em modalidades onde pode verificar-se o descontrolo da massa adepta, o destempero ou o julgamento de um qualquer árbitro por erros grosseiros - a exteriorização de comportamentos piores, sem nexo.

Julgar não é fácil.




Por vezes, as decisões nem sempre encaixam na verdade ou na justiça desportiva – todavia a inteligência humana deveria saber suprir essas falhas e concorrer para a dignificação do espetáculo desportivo – muito raro!

Recordemos um episódio deveras interessante ocorrido em Pequim, nos Jogos de 2008.

Desenrolava-se a competição de ginástica, de barras paralelas, homens, quando os juízes se debateram com imensas dificuldades em apurar o vencedor da medalha de prata – dúvidas relativamente a dois finlandeses, Savolainem e Terasvita – um empate difícil de resolver. Tanto o público assistente como os próprios atletas começavam a dar sinais de impaciência face ao tempo e à indecisão dos árbitros.

Então, os dois atletas em causa, fartos de esperar, decidiram-se.

Num momento de extremo espírito olímpico, dirigiram-se até ao lugar onde se encontravam os juízes e solicitaram autorização para colaborarem naquela difícil tarefa – autorização concedida. Afastaram-se para um lugar mais discreto e entre ambos, analisando o comportamento de cada um, chegaram a uma conclusão – escolheram para vencedor, o Savolainem, baseados na honesta conclusão de que havia tido o melhor desempenho.

Por estranho que pareça, o colégio arbitral concordou com a opinião de ambos e decidiu oficialmente!

Impossível ou muito difícil semelhante caso voltar a acontecer. Se assim for, estaremos na presença de uma nova era desportiva onde os valores mais altos da competição permanecem imaculados, segundo os cânones desejados.

Aguardemos!  

 

“Autor: Ilídio Torres

Membro da Academia Olímpica de Portugal

Órgão do Comité Olímpico de Portugal

segunda-feira, 21 de agosto de 2023

JOGOS OLÍMPICOS DE ESTOCOLMO 1912

 

Cecil Healy

Uma segunda oportunidade                         


 


Um acontecimento intragável para o fanatismo e a ambição de alguns considerados desportistas de eleição, para quem a conquista da vitória é um objectivo único, mesmo à custa de tropeções na ética desportiva, nos mais sãos princípios da bandeira que Pierre de Coubertin defendia.
Todavia, quando chega à altura de o provar!
Aconteceu nos Jogos Olímpicos de Estocolmo, em 1912, disputados num espaço de tempo de vinte e quatro dias seguidos. Esta particularidade emprestou aos Jogos uma nova imagem para além do cuidado que os suecos dispensaram na sua preparação e execução.
Ainda afectadas pela concepção que o seu idealista havia bebido na filosofia dos da Antiguidade, os de Estocolmo foram adornados ainda de provas culturais que à luz dos princípios modernos podem gerar pensamentos surrealistas mas que, no mais profundo do âmago grego da Antiguidade, tinham perfeito cabimento. As ditas manifestações culturais em Estocolmo andaram pela área da pintura e da poesia.
Mas, o que nos motivou, concretamente, diz respeito a um acto de cavalheirismo, no mais alto grau de desportivismo.
Cecil Healy, foi um nadador australiano, inserido numa elite de campeões australianos, que protagonizou um dos mais bonitos gestos desportivos.
Na prova dos 100 metros livres, os australianos temiam a concorrência americana, uma equipa favorita à vitória final. Na piscina, o então nadador australiano Cecil Healy, especialista naquela distância e estilo, preparava-se para lutar pela medalha de ouro. Entretanto a organização havia dado pela ausência da equipa americana que ainda não havia chegado à piscina e onde todos aguardavam já com alguma inquietude.
Quando os americanos se apresentaram na área da piscina já o Júri responsável havia deliberado a vitória da equipa australiana. De imediato, os responsáveis americanos tentaram uma justificação afirmando ter havido um contratempo, uma falta involuntária aos horários. Como a equipa organizador da área das provas de natação se mostrou irredutível, os americanos apelaram a um júri especial, uma espécie de última instância.
Aqui reside o ponto crucial e futura da questão.


Cecil Healy

O nadador australiano Hearly como representante da equipa australiana solicitou ao Júri de recurso que atendesse às justificações dos americanos e com tal veemência que foram autorizados a participar na final dos 100 metros livres. Uma oportunidade para recordar que dessa equipa americana fazia parte o célebre Duke Kahanamoku, um nadador havaiano que liderava o topo das tabelas mundiais.
Temos de convir que os australianos teriam a tarefa facilitada e venceriam essa final beneficiando da ausência da equipa americana.
A final foi disputada e foi vencida pelo referido Duke, seguido do australiano Cecil Healy e em terceiro Kenneth Huszag também dos Estados Unidos.
Conclusão: os australianos ao solicitarem ao Júri que permitisse a inclusão dos americanos que  acabaram por perder a final daqueles 100 metros livres.
O mais impressionante haveria de acontecer.



No final da prova, o público assistente, de pé, aplaudiu freneticamente, a equipa australiana, a derrota de Healy, um homem que iria interromper a sua carreira por motivo da Primeira Guerra Mundial, conflito em que foi integrado.
Morreu em combate, faltava pouco tempo para a assinatura do armistício – perdeu-se um desportista, um campeão!
Healy tinha-se alistado, em Setembro de 1915, na denominada Força de Defesa Australiana e serviu a pátria no Egipto e na França como intendente no posto de sargento. Frequentou um curso para oficiais em Cambridge e seguiu a carreira militar como segundo tenente em Junho de 1918. Morreu em combate na Batalha de Somme.
 



Autor: Ilídio Torres
Membro da Academia Olímpica de Portugal

Órgão do Comité Olímpico de Portugal

JOGOS OLÍMPICOS DE LONDRES 1908

 

DORANO PIETRI

Um pasteleiro com sorte!

 

Não tenho medalha, nem diploma, nem uma coroa de louro

para lhe dar, senhor Pietri, mas, para que não leve só más

recordações do nosso país, receba esta taça de ouro, como

prova da nossa admiração pelo seu comportamento”.

(Rainha Alexandra - no Estádio)

 

 


 

 

A prova mais exigente e difícil.

Alguns quilómetros por vencer ainda e os atletas a evidenciarem, com mais intensidade, os efeitos de tão penoso esforço.

Decorria a prova da Maratona de Londres, 1908, a quarta edição dos Jogos Olímpicos e a temperatura ambiente que se fazia sentir nessa derradeira semana de Julho, quiçá inesperada naquele ambiente londrino, começava a evidenciar no esforço e na energia despendida. Nitidamente cansados, os atletas acusavam já uma notória desidratação, uma menos valia para a distância que ainda faltava percorrer mas que, a muito custo, ia sendo cumprida - assim até ao fim, pelo menos para os que conseguiram cumprir tão grande distância.

Por essa altura, um atleta arrastava-se com a meta muito próxima, quase à vista. Havia alcançado a frente da corrida e no comando já, tinha os olhos assestados naquele tão desejado fim, ali tão perto. Alcançada a porta do estádio, completamente trôpego, enfiou-se pelo lado errado - estatelou-se, desamparado, no início da pista. Recebeu, de imediato, a presença de alguns juízes mais interessados em valer ao infeliz do que cumprir o seu papel.

O público assistente mexeu-se no estádio e já só tinha olhos naquele ser humano, o italiano Dorando Pietri que continuou a receber a ajuda dos juízes de chegada e até de responsáveis médicos em serviço. Foram, mais quatro, as vezes que voltou a tombar na pista e tantas as que voltou a levantar-se, um último esforço em direcção à meta que acabou por alcançar, amparado por um juiz e um médico.

Após cortá-la desmaiou mesmo e foi transportado em maca para o posto de socorros.

O italiano completava a prova com um tempo de duas horas, cinquenta e quatro minutos e quatro segundos mas, para os derradeiros quinhentos metros foram necessários quase dez minutos! Era o vencedor da Maratona e o segundo a chegar foi o norte-americano Johnny Hayes.

O presumível vencedor, o italiano Dorando Pietri, nascido em 15 de Outubro de 1885, era oriundo de uma família de camponeses que, em 1879, se radicou em Capri com a intenção de se dedicar ao comércio de frutas e legumes - pai, mãe e quatro filhos - um deles, o Dorando, entrar no ofício de padeiro. O jovem tinha duas paixões: a bicicleta e correr a pé pelas ruas de Capri, um gosto que mais se acentuou um dia em que foi assistir a uma prova local que incluía um dos mais famosos de então, o italiano Péricles Pagliani. Assistente, entusiasmado, em determinado momento, não resistiu e desatou a correr ao lado do ídolo italiano, vestido como estava, sem qualquer adereço desportivo. Teimoso, resistiu e cortou a meta ao lado de Pericles. Esta louca experiência seria o embalo futuro para a sua inscrição numa prova de três mil metros a realizar em Bolonha. Participou e ficou em segundo lugar – foi o tiro de partida para uma futura entrega às corridas. Deu, então início a uma espécie de plano de treinos e daí os seus primeiros triunfos, em Itália e na França. Foi experimentando maiores distâncias até que, em 1906, ficou apurado para uma espécie de Jogos Olímpicos Intermédios a realizar em Atenas, uma prova em que desistiu. Seguiram-se mais participações e mais vitórias até atingir o topo do fundo italiano – foi a sua carta de recomendação para Londres.Il 2 aprile 1906 Pietri vinse la maratona di qualificazione per i Giochi olimpici intermedi , che si sarebbero svolti in estate ad Atene , con il tempo di 2 ore e 48 minuti. Purtroppo nella gara di Atene fu costretto a ritirarsi al 24º chilometro per problemi intestinali, quando era al comando con 5 minuti di vantaggio sugli inseguitori.

Nel 1907 riportò numerose vittorie, tra le quali i titoli dei 5000 metri ai Campionati italiani (con il primato nazionale di 16'27"2) e dei 20 km. Ormai Dorando Pietri era il dominatore assoluto del fondo nazionale, in grado di vincere dal mezzofondo alla maratona, ed aveva già ottenuto risultati importanti sulla scena internazionale.A prova da Maratona teve lugar no dia 24 de Agosto de 1908 e o tiro da partida foi dado junto a uma varanda do Castelo de Windsor por Lord Desborought. Logo no início, Dorando Pietri, tomou a dianteira e deu a entender que estava apostado em ganhar a corrida. Dez quilómetros vencidos, quatro atletas seguiam isolados: o italiano em questão, os britânicos Lord e Price e o sul-africano Hefferson. Pouco tempo depois os ingleses encostaram ao passeio e decidiram terminar ali a sua aventura. Por sua vez, o sul-africano, suando por quantos poros tinha, resolveu aceitar uma bebida refrescante que um espectador mais entusiasmado lhe proporcionou – uma garrafa de champanhe! A menos de meia milha do estádio não aguentou uma forte dor de barriga – o espumante havia-lhe provocado uma tremenda volta nos intestinos – ficou para trás!

Foi então que o italiano livre de concorrência forçou o andamento mas “gripou os rolamentos”.

O pior estava pata acontecer.

Apesar de vitoriado e tido como vencedor da Maratona, choveram os protestos e a guerra instalou-se na secretaria. Os dirigentes norte- americanos pediram a desqualificação do italiano denunciando o comportamento da chegada como anti-regulamentar, mais concretamente o comportamento dos juízes de pista e dos médicos de serviço. Cientes da consistência da reclamação dos responsáveis americanos, outro facto aconteceria: convencidos de que o pasteleiro iria ser desclassificado, Hayes saiu do Estádio Olímpico aos ombros dos seus compatriotas e aclamado campeão da maratona!

Entretanto, o pobre do italiano estava entre a vida e a morte.

E Dorando perdeu mesmo a corrida devido à desclassificação.

No dia seguinte, o nosso homem já recuperado e livre de ter embarcado “desta para melhor” compareceu no Estádio e ouviu da própria Rainha Alexandra as seguintes palavras que iriam modificar por completo a sua vida futura: “ Não tenho medalha, nem diploma, nem uma coroa de louro para lhe dar, senhor Pietri, mas, para que não leve só más recordações do nosso país, receba esta taça de ouro, como prova da nossa admiração pelo seu comportamento”.

Entusiasmado o italiano deu uma volta de honra ao Estádio vibrantemente aclamado pelo público como se fosse o verdadeiro campeão olímpico da maratona.

O jornal londrino Daily Mail abriu uma subscrição pública que rendeu 300 libras, uma importância muito grande para a época. Posteriormente, Dorando enveredou pelo profissionalismo no atletismo. Numa das viagens que efectuou aos Estados Unidos, voltou a correr a maratona e a ganhar a John Hayes por duas vezes, em 1908 e 1909.





Foi considerado um dos grandes maratonistas de todos os tempos.

Acabou a vida não se sabe como, dizem que como motorista de táxi, na cidade italiana de Capri, sem um vintém, vítima de um golpe financeiro de um seu irmão de sangue – outros dizem que não, pois acabou rico e dono de uma cadeia de lojas dedicadas à pastelaria.

Um homem de sorte!


"Autor: Ilídio Torres, 

Membro da Academia Olímpica de Portugal, 

órgão do Comité Olímpico Português."