terça-feira, 5 de setembro de 2023

JOGOS OLÍMPICOS DE MONTREAL 1976


 

Lanny Bassham

A glória do vencedor

A partilha da vitória

 

 

 

Uma despudorada verdade - um atleta só o é, na completa acepção da palavra e da realidade, quando a par das suas capacidades técnicas, alia as de um homem de carácter – porém, esta afirmação se esvai quando os são princípios do desporto são, completamente desvirtuados e muitos atletas são permeáveis a processos incorretos e podem vender a alma ao diabo em busca da suprema exultação da vitória.

Foi um momento muito especial com a atenção assistente centrada naquela cerimónia final de atribuição de prémios, um pódio e três atletas no crucial momento de ver compensada a sua actuação. No topo, Lanny Bassham (EUA), pronto a receber a medalha de ouro da prova de “carabina de pequeno calibre em três posições”, na prata Margareth Murdock (EUA), e no bronze Werner Seibold (RFA).


No preciso momento em que começa a soar o hino americano, o atleta laureado e declarado vencedor, num gesto rápido mas decisivo, amarra a atleta do segundo lugar e puxa-a para junto de si e ambos escutam o símbolo do seu país. Assim foi até ao fim, com o público surpreso mas encantado com o gesto.

Porquê?

No fim da disputa, dos muitos tiros de carabina, nas três posições impostas, de pé, de joelhos e deitados, o júri contabilizou os pontos dos atiradores e verificou um empate técnico nos dois primeiros, Lanny Bassham, um homem, e Margareth Murdock, uma mulher, por sinal ambos do mesmo país.

Decorriam as provas de tiro dos Jogos Olímpicos de Montreal, em 1976.

Após um exaustivo exame aos alvos de ambos, os juízes declararam Lanny Murdock como vencedor. De imediato este dirigindo-se aos homens que declararam o veredicto sugeriu que a medalha de ouro fosse repartida por ele e pela Margareth que tinha sido relegada para o segundo posto e na realidade, nenhum tinha sido melhor do que o outro!

Solicitação indeferida.

Insatisfeito acabou por se submeter à decisão dos juízes.

Este homem foi campeão mundial em 1974 e 1978, venceu por três vezes os Jogos Pan-Americanos e vinte e duas vezes campeão americano. Seria posteriormente a Director de Tiro da Selecção Americana aos Jogos Olímpicos. Criou uma empresa que promovia cursos de ensino de gestão ambiental para empresários e atletas, caso de alguns jogadores profissionais de golfe. Foi também criador de cavalos.

Aquela cena do pódio, uma atitude improvável nos tempos que correm!

 

Autor: ILÍDIO TORRES

Membro da Academia Olímpica

Comité Olímpico de Portugal

sábado, 2 de setembro de 2023

 

JOGOS OLÍPICOS DE TÓQUIO 1964

 

Lars Gunnar Kall e Stig Lennart Kall

O fair-play que superou o sabor da vitória



 

 

 

A partir de 1964, o Comité Olímpico Internacional tem, à sua disposição, um instrumento capaz de premiar todos aqueles que demonstrassem comportamentos, a todos os níveis raros e ligados ao que poderíamos apelidar de desportivismo – a filosofia que Pierre de Coubertin advogou inserida no verdadeiro espírito olímpico.

Devido a esse comportamento, já alguns foram premiados com tal distinção.

Lars Gunnar Kall e Stig Lennart Kall, dois velejadores suecos, irmãos e amantes do desporto, protagonizaram um dos mais extraordinários atos desse exemplo e espírito.

No decurso de uma prova olímpica, na modalidade de vela, entregues à tarefa de manobrar a sua embarcação como os demais, buscavam a melhor classificação, a fim de cortar a linha de chegada para vencer a regata - mais uns pontos a juntar para a classificação final.

Em determinado momento, foram confrontados com um inesperado acontecimento - acabavam de verificar que a equipa australiana, constituída por John de Dawe e Ian Winter, tinha naufragado, e a embarcação encontrava-se, completamente, virada. De imediato, os velejadores suecos tomaram consciência de que os seus adversários se encontravam numa situação muito perigosa a necessitar de ajuda imediata que não estava ao alcance da equipa de apoio oficial. Ma verdade, os australianos encontravam-se num momento, tremendamente, angustiante, um ainda a tentar vencer a força do mar e o outro agarrado à embarcação.


Os suecos alhearam-se completamente da prova que estavam a disputar e viraram o seu barco em direcção aos dois necessitados australianos que foram socorridos de imediato, primeiro o Winter e depois o Dawe, metidos no Hayama, o barco sueco.

O acto de coragem de ambos redundou na perda da regata mas na salvação dos australianos, apreciado em todo o mundo. A referida regata de qualificação iria ser vencida pela Nova Zelândia, seguida da Grã Bretanha e dos Estados Unidos.


Autor: ILÍDIO TORRES

Membro da Academia Olímpica de Portugal

Comité Olímpico de Portugal

terça-feira, 29 de agosto de 2023

 JOGOS OLÍMPICOS DE LOS ANGELES 1932

 

Por amor a um cavalo

Vencer com dignidade


 

 

 

Por amor a um … cavalo!

O homem e o animal, dois seres, uma ligação geradora, sentimentos mútuos.

O inusitado mas nobre comportamento de um cavaleiro que demonstrou ter na sua montada mais do que um simples animal, antes um companheiro de tantas lides desportivas, um aliado nas boas e nas horas más da sua prática.

Quem o demonstrou foi Shunzo Kido quando participou nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1932, integrando a equipa equestre japonesa.



Foi um momento extraordinário, um comportamento muito especial na prova que disputava. No decorrer das várias tarefas e do esforço que vinha a provocar à sua montada, o japonês tomou consciência que o dueto se desfazia, que o animal, farto e cansado, se encontrava num estado físico deplorável. Mesmo que se decidisse a forçar o cavalo podia correr o duplo risco, o de lhe provocar algo de muito perigoso e os resultados desportivos serem os mesmos! Optou por terminar ali a sua prestação e poupar a sua montada que havia já dado tudo o que podia.

O mais significativo era que, no momento, a equipa japonesa se encontrava na liderança da competição!

Os Jogos ficaram para trás e o seu feito iria ter repercussões pois uma organização americana de cariz humanitário, de Riverside, na Califórnia, homenageou o atleta japonês pelo seu gesto e respeito pelo animal - trocar a vida do seu cavalo pela glória de vencer.

Relativamente ao atleta em questão, ele mesmo confessou que a honra de participar nos Jogos Olímpicos se revestia de algo completamente diferente de participar num qualquer mundial. A prova em questão fazia parte de uma especialidade de um denominado “concurso completo”, uma distância de 32,29 quilómetros a vencer através de vários percursos com cinquenta obstáculos a ultrapassar, um verdadeiro sacrifício, um esforço violento tanto para o cavalo como para o cavaleiro. Tomou a sensata decisão de terminar a prova olhos postos no seu amigo, coberto de suor - continuar seria poder condená-lo a uma morte prematura.

O seu gesto não passou alheio a pessoas assistentes que não deixaram de sentir algo diferente ao presenciarem o cavaleiro afagando o seu cavalo – dizem que espectadores mais sensíveis não conseguiram reprimir as lágrimas.

 

quinta-feira, 24 de agosto de 2023

 JOGOS OLÍMPICOS DE LOS ANGELES 1932

 

Um triunfo repartido

Uma medalha cortada ao meio!




Sentença de Saomão, um campeão frustrado!

Participar, vencer e ser distinguido – subir ao pódio, escutar o hino do seu país e receber o tão almejado ouro - a competição, a vitória e o reconhecimento na cerimónia, o fim e o … regresso a casa com o tão apetecido prémio.

Assim não aconteceu com Lauri Lehtinen.

Finda a sua prestação atlética, insatisfeito, rumou a casa, para a sua Finlândia, com os neurónios esticados, a rebentar. A sua consciência era uma autêntica bigorna onde, em marteladas constantes, algo o inquietava. Partia dos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1932, com uma medalha de oiro na bagagem, a dos 5 000 metros, uma prova que disputara até ao final, até ao milésimo de milímetro! Fora considerado vencedor e ao seu mais directo adversário, o norte-americano Ralph Hill, subordinado ao mais estranho dos julgamentos do cronómetro foi-lhe atribuído o mesmo tempo!

Trazia ainda vivo na memória o desagradável momento em que já no pódio, a cerimónia foi ensombrada pelos apupos do estádio, um público afecto ao seu compatriota Hill. Na verdade, ambos haviam cortado a meta, ombro a ombro, mas na plena demonstração da mais alta nobreza do seu carácter, o americano, ele mesmo, havia recusado apresentar um protesto pela decisão dos juízes. Perante aquela reação popular, Lauri ainda esboçou e tentou mesmo trocar de lugar no pódio, reconhecendo a Hill o direito ao ouro – o americano recusou, afirmando que não estava em causa a prata ou o ouro!

Comportamentos, hoje, impensáveis!

Lauri Lehtinen, o atleta em questão, haveria, de posteriormente, protagonizar uma das mais estranhas mas compreensíveis atitudes, a de querer repartir o triunfo com o seu adversário vencido, o tal Ralph Hill. Foi uma extraordinária decisão que o haveria de marcar no futuro, pois desde a cerimónia de atribuição do prémio que, dentro de si, se desencadeou um autêntico massacre.

E o porquê de tal estado de espírito?

Na disputa da prova e no espaço habitualmente designado por recta final, escolhido pelos atletas para o ataque decisivo, Lauri havia-o feito aos ziguezagues, uma atitude aceite na Europa mas não tolerada na América, acabando então o público assistente que enchia o Estádio Olímpico por vaiar o finlandês!

Dizem que, quando aportou à Finlândia, com uma intenção suficientemente amadurecida, buscou um serralheiro e pediu-lhe que serrasse a medalha ao meio!

Sim, dividida em duas partes iguais! 




Não sei de que modo mas a verdade é que Hill recebeu em casa o tão especial presente e uma mensagem na qual se explicava que a vitória fora dos dois e que, na hipótese de não haver duas medalhas, lhe enviava a sua parte.

Quatro anos volvidos e novos Jogos Olímpicos, os de Berlim, em 1936 - Lauri Lehtinen voltou a ser selecionado e a disputar a final dos 5 000 metros, desta feita tendo como principal opositor o seu compatriota Gunnar Hockert que se tinha já afirmado como um autêntico campeão, detentor de vários recordes mundiais. Lauri foi vencido por Gunnar , um infeliz que haveria de ver a sua carreira desportiva, subitamente, interrompida, acabada mesmo, devido a problemas súbitos de reumatismo que o impossibilitaram para sempre de praticar a modalidade. Procurou a consolação noutros combates que não os das pistas dos estádios - num gesto patriótico inscreveu-se como voluntário no exército e foi incorporado num destacamento destinado a combater o denominado Exército Vermelho, os Russos, na guerra do Istmo de Carélia, onde haveria de encontrar a morte.



Este acontecimento iria abalar o amor-próprio de Lauri que, noutro gesto também muito singular, ofereceu a sua medalha de prata, a do segundo lugar da passada final que havia disputado com ele nos referidos Jogos Olímpicos de Berlim, a um soldado companheiro do morto – uma homenagem em que o sentimento pátrio se sobrepôs a todas as medalhas.

terça-feira, 22 de agosto de 2023

 JOGOS OLÍMPICOS DE PEQUIM 2008

 

Quem é o vencedor?

Decidem os atletas!

 

 

 

 

A prestação do atleta e o julgamento final!

Apurar e declarar um vencedor numa qualquer prova é, certamente, uma tarefa inata da competição desportiva, cada vez mais isenta de dificuldades agora que a tecnologia vai sendo um fator determinante. Todavia, casos houve (e continuam) em modalidades onde o desempenho dum atleta, sob julgamento de um declarado árbitro, se pode revestir de alguma dificuldade acrescida.

Um exemplo muito paradigmático dessa realidade pode ser encontrado em modalidades onde pode verificar-se o descontrolo da massa adepta, o destempero ou o julgamento de um qualquer árbitro por erros grosseiros - a exteriorização de comportamentos piores, sem nexo.

Julgar não é fácil.




Por vezes, as decisões nem sempre encaixam na verdade ou na justiça desportiva – todavia a inteligência humana deveria saber suprir essas falhas e concorrer para a dignificação do espetáculo desportivo – muito raro!

Recordemos um episódio deveras interessante ocorrido em Pequim, nos Jogos de 2008.

Desenrolava-se a competição de ginástica, de barras paralelas, homens, quando os juízes se debateram com imensas dificuldades em apurar o vencedor da medalha de prata – dúvidas relativamente a dois finlandeses, Savolainem e Terasvita – um empate difícil de resolver. Tanto o público assistente como os próprios atletas começavam a dar sinais de impaciência face ao tempo e à indecisão dos árbitros.

Então, os dois atletas em causa, fartos de esperar, decidiram-se.

Num momento de extremo espírito olímpico, dirigiram-se até ao lugar onde se encontravam os juízes e solicitaram autorização para colaborarem naquela difícil tarefa – autorização concedida. Afastaram-se para um lugar mais discreto e entre ambos, analisando o comportamento de cada um, chegaram a uma conclusão – escolheram para vencedor, o Savolainem, baseados na honesta conclusão de que havia tido o melhor desempenho.

Por estranho que pareça, o colégio arbitral concordou com a opinião de ambos e decidiu oficialmente!

Impossível ou muito difícil semelhante caso voltar a acontecer. Se assim for, estaremos na presença de uma nova era desportiva onde os valores mais altos da competição permanecem imaculados, segundo os cânones desejados.

Aguardemos!  

 

“Autor: Ilídio Torres

Membro da Academia Olímpica de Portugal

Órgão do Comité Olímpico de Portugal

segunda-feira, 21 de agosto de 2023

JOGOS OLÍMPICOS DE ESTOCOLMO 1912

 

Cecil Healy

Uma segunda oportunidade                         


 


Um acontecimento intragável para o fanatismo e a ambição de alguns considerados desportistas de eleição, para quem a conquista da vitória é um objectivo único, mesmo à custa de tropeções na ética desportiva, nos mais sãos princípios da bandeira que Pierre de Coubertin defendia.
Todavia, quando chega à altura de o provar!
Aconteceu nos Jogos Olímpicos de Estocolmo, em 1912, disputados num espaço de tempo de vinte e quatro dias seguidos. Esta particularidade emprestou aos Jogos uma nova imagem para além do cuidado que os suecos dispensaram na sua preparação e execução.
Ainda afectadas pela concepção que o seu idealista havia bebido na filosofia dos da Antiguidade, os de Estocolmo foram adornados ainda de provas culturais que à luz dos princípios modernos podem gerar pensamentos surrealistas mas que, no mais profundo do âmago grego da Antiguidade, tinham perfeito cabimento. As ditas manifestações culturais em Estocolmo andaram pela área da pintura e da poesia.
Mas, o que nos motivou, concretamente, diz respeito a um acto de cavalheirismo, no mais alto grau de desportivismo.
Cecil Healy, foi um nadador australiano, inserido numa elite de campeões australianos, que protagonizou um dos mais bonitos gestos desportivos.
Na prova dos 100 metros livres, os australianos temiam a concorrência americana, uma equipa favorita à vitória final. Na piscina, o então nadador australiano Cecil Healy, especialista naquela distância e estilo, preparava-se para lutar pela medalha de ouro. Entretanto a organização havia dado pela ausência da equipa americana que ainda não havia chegado à piscina e onde todos aguardavam já com alguma inquietude.
Quando os americanos se apresentaram na área da piscina já o Júri responsável havia deliberado a vitória da equipa australiana. De imediato, os responsáveis americanos tentaram uma justificação afirmando ter havido um contratempo, uma falta involuntária aos horários. Como a equipa organizador da área das provas de natação se mostrou irredutível, os americanos apelaram a um júri especial, uma espécie de última instância.
Aqui reside o ponto crucial e futura da questão.


Cecil Healy

O nadador australiano Hearly como representante da equipa australiana solicitou ao Júri de recurso que atendesse às justificações dos americanos e com tal veemência que foram autorizados a participar na final dos 100 metros livres. Uma oportunidade para recordar que dessa equipa americana fazia parte o célebre Duke Kahanamoku, um nadador havaiano que liderava o topo das tabelas mundiais.
Temos de convir que os australianos teriam a tarefa facilitada e venceriam essa final beneficiando da ausência da equipa americana.
A final foi disputada e foi vencida pelo referido Duke, seguido do australiano Cecil Healy e em terceiro Kenneth Huszag também dos Estados Unidos.
Conclusão: os australianos ao solicitarem ao Júri que permitisse a inclusão dos americanos que  acabaram por perder a final daqueles 100 metros livres.
O mais impressionante haveria de acontecer.



No final da prova, o público assistente, de pé, aplaudiu freneticamente, a equipa australiana, a derrota de Healy, um homem que iria interromper a sua carreira por motivo da Primeira Guerra Mundial, conflito em que foi integrado.
Morreu em combate, faltava pouco tempo para a assinatura do armistício – perdeu-se um desportista, um campeão!
Healy tinha-se alistado, em Setembro de 1915, na denominada Força de Defesa Australiana e serviu a pátria no Egipto e na França como intendente no posto de sargento. Frequentou um curso para oficiais em Cambridge e seguiu a carreira militar como segundo tenente em Junho de 1918. Morreu em combate na Batalha de Somme.
 



Autor: Ilídio Torres
Membro da Academia Olímpica de Portugal

Órgão do Comité Olímpico de Portugal

JOGOS OLÍMPICOS DE LONDRES 1908

 

DORANO PIETRI

Um pasteleiro com sorte!

 

Não tenho medalha, nem diploma, nem uma coroa de louro

para lhe dar, senhor Pietri, mas, para que não leve só más

recordações do nosso país, receba esta taça de ouro, como

prova da nossa admiração pelo seu comportamento”.

(Rainha Alexandra - no Estádio)

 

 


 

 

A prova mais exigente e difícil.

Alguns quilómetros por vencer ainda e os atletas a evidenciarem, com mais intensidade, os efeitos de tão penoso esforço.

Decorria a prova da Maratona de Londres, 1908, a quarta edição dos Jogos Olímpicos e a temperatura ambiente que se fazia sentir nessa derradeira semana de Julho, quiçá inesperada naquele ambiente londrino, começava a evidenciar no esforço e na energia despendida. Nitidamente cansados, os atletas acusavam já uma notória desidratação, uma menos valia para a distância que ainda faltava percorrer mas que, a muito custo, ia sendo cumprida - assim até ao fim, pelo menos para os que conseguiram cumprir tão grande distância.

Por essa altura, um atleta arrastava-se com a meta muito próxima, quase à vista. Havia alcançado a frente da corrida e no comando já, tinha os olhos assestados naquele tão desejado fim, ali tão perto. Alcançada a porta do estádio, completamente trôpego, enfiou-se pelo lado errado - estatelou-se, desamparado, no início da pista. Recebeu, de imediato, a presença de alguns juízes mais interessados em valer ao infeliz do que cumprir o seu papel.

O público assistente mexeu-se no estádio e já só tinha olhos naquele ser humano, o italiano Dorando Pietri que continuou a receber a ajuda dos juízes de chegada e até de responsáveis médicos em serviço. Foram, mais quatro, as vezes que voltou a tombar na pista e tantas as que voltou a levantar-se, um último esforço em direcção à meta que acabou por alcançar, amparado por um juiz e um médico.

Após cortá-la desmaiou mesmo e foi transportado em maca para o posto de socorros.

O italiano completava a prova com um tempo de duas horas, cinquenta e quatro minutos e quatro segundos mas, para os derradeiros quinhentos metros foram necessários quase dez minutos! Era o vencedor da Maratona e o segundo a chegar foi o norte-americano Johnny Hayes.

O presumível vencedor, o italiano Dorando Pietri, nascido em 15 de Outubro de 1885, era oriundo de uma família de camponeses que, em 1879, se radicou em Capri com a intenção de se dedicar ao comércio de frutas e legumes - pai, mãe e quatro filhos - um deles, o Dorando, entrar no ofício de padeiro. O jovem tinha duas paixões: a bicicleta e correr a pé pelas ruas de Capri, um gosto que mais se acentuou um dia em que foi assistir a uma prova local que incluía um dos mais famosos de então, o italiano Péricles Pagliani. Assistente, entusiasmado, em determinado momento, não resistiu e desatou a correr ao lado do ídolo italiano, vestido como estava, sem qualquer adereço desportivo. Teimoso, resistiu e cortou a meta ao lado de Pericles. Esta louca experiência seria o embalo futuro para a sua inscrição numa prova de três mil metros a realizar em Bolonha. Participou e ficou em segundo lugar – foi o tiro de partida para uma futura entrega às corridas. Deu, então início a uma espécie de plano de treinos e daí os seus primeiros triunfos, em Itália e na França. Foi experimentando maiores distâncias até que, em 1906, ficou apurado para uma espécie de Jogos Olímpicos Intermédios a realizar em Atenas, uma prova em que desistiu. Seguiram-se mais participações e mais vitórias até atingir o topo do fundo italiano – foi a sua carta de recomendação para Londres.Il 2 aprile 1906 Pietri vinse la maratona di qualificazione per i Giochi olimpici intermedi , che si sarebbero svolti in estate ad Atene , con il tempo di 2 ore e 48 minuti. Purtroppo nella gara di Atene fu costretto a ritirarsi al 24º chilometro per problemi intestinali, quando era al comando con 5 minuti di vantaggio sugli inseguitori.

Nel 1907 riportò numerose vittorie, tra le quali i titoli dei 5000 metri ai Campionati italiani (con il primato nazionale di 16'27"2) e dei 20 km. Ormai Dorando Pietri era il dominatore assoluto del fondo nazionale, in grado di vincere dal mezzofondo alla maratona, ed aveva già ottenuto risultati importanti sulla scena internazionale.A prova da Maratona teve lugar no dia 24 de Agosto de 1908 e o tiro da partida foi dado junto a uma varanda do Castelo de Windsor por Lord Desborought. Logo no início, Dorando Pietri, tomou a dianteira e deu a entender que estava apostado em ganhar a corrida. Dez quilómetros vencidos, quatro atletas seguiam isolados: o italiano em questão, os britânicos Lord e Price e o sul-africano Hefferson. Pouco tempo depois os ingleses encostaram ao passeio e decidiram terminar ali a sua aventura. Por sua vez, o sul-africano, suando por quantos poros tinha, resolveu aceitar uma bebida refrescante que um espectador mais entusiasmado lhe proporcionou – uma garrafa de champanhe! A menos de meia milha do estádio não aguentou uma forte dor de barriga – o espumante havia-lhe provocado uma tremenda volta nos intestinos – ficou para trás!

Foi então que o italiano livre de concorrência forçou o andamento mas “gripou os rolamentos”.

O pior estava pata acontecer.

Apesar de vitoriado e tido como vencedor da Maratona, choveram os protestos e a guerra instalou-se na secretaria. Os dirigentes norte- americanos pediram a desqualificação do italiano denunciando o comportamento da chegada como anti-regulamentar, mais concretamente o comportamento dos juízes de pista e dos médicos de serviço. Cientes da consistência da reclamação dos responsáveis americanos, outro facto aconteceria: convencidos de que o pasteleiro iria ser desclassificado, Hayes saiu do Estádio Olímpico aos ombros dos seus compatriotas e aclamado campeão da maratona!

Entretanto, o pobre do italiano estava entre a vida e a morte.

E Dorando perdeu mesmo a corrida devido à desclassificação.

No dia seguinte, o nosso homem já recuperado e livre de ter embarcado “desta para melhor” compareceu no Estádio e ouviu da própria Rainha Alexandra as seguintes palavras que iriam modificar por completo a sua vida futura: “ Não tenho medalha, nem diploma, nem uma coroa de louro para lhe dar, senhor Pietri, mas, para que não leve só más recordações do nosso país, receba esta taça de ouro, como prova da nossa admiração pelo seu comportamento”.

Entusiasmado o italiano deu uma volta de honra ao Estádio vibrantemente aclamado pelo público como se fosse o verdadeiro campeão olímpico da maratona.

O jornal londrino Daily Mail abriu uma subscrição pública que rendeu 300 libras, uma importância muito grande para a época. Posteriormente, Dorando enveredou pelo profissionalismo no atletismo. Numa das viagens que efectuou aos Estados Unidos, voltou a correr a maratona e a ganhar a John Hayes por duas vezes, em 1908 e 1909.





Foi considerado um dos grandes maratonistas de todos os tempos.

Acabou a vida não se sabe como, dizem que como motorista de táxi, na cidade italiana de Capri, sem um vintém, vítima de um golpe financeiro de um seu irmão de sangue – outros dizem que não, pois acabou rico e dono de uma cadeia de lojas dedicadas à pastelaria.

Um homem de sorte!


"Autor: Ilídio Torres, 

Membro da Academia Olímpica de Portugal, 

órgão do Comité Olímpico Português."

domingo, 20 de agosto de 2023

 JOGOS OLÍMPICOS DE LONDRES 1908

 

Desportivismo à moda antiga       

Fair-play

 

 

Um episódio de um tempo ido mas de um incomensurável alcance.

O significado, um desfecho tão raro no conturbado mundo do desporto em que a luta pela vitória está muitas vezes aliada a comportamentos execráveis.

Felizmente, este, um exemplo para muitos, aconteceu numa carismática época em que as olimpíadas buscavam, finalmente, o rumo desejado, nos Jogos Olímpicos de Londres, em 1908, a demonstração inequívoca do desportivismo, do tão apregoado fair-play.



O público assistente seguia as provas de luta greco-romana que se desenrolavam ao alcance dos seus olhares e que as sucessivas eliminatórias haviam determinado dois finalistas, dois lutadores suecos, o Frithiof Martenson e o Mauritz Andersson.

Em determinado momento do combate, um dos atletas, Mauritz Andersson, solicitou ao juiz a sua vontade, a sua intenção de interromper por algum tempo o combate a fim de permitir que o seu adversário recuperasse de algo que o apoquentava, evidente no seu estado físico que ia dando conta de algo anormal.

Na verdade, Frithiof Martenson estava com algo, um problema impeditivo de continuar. Mais ainda, Andersson voltou a informar o juiz que aguardava o tempo que fosse necessário para a recuperação do rival porque era seu desejo que a vitória fosse decidida em combate e não por uma qualquer lesão.

O juiz atendeu o atleta e deu indicações ao adversário para interromper o combate, ser visto e … curado!

E foi mesmo porque o resultado final haveria de ser o contrário do que se esperava.

O atleta lesionado recuperou da lesão temporária e parece ter entrado com forças redobradas porque acabaria por vencer o combate.

Martensson acabou por derrotar o amigo que permitiu a sua recuperação física quando poderia beneficiar da sua lesão e vencer o combate.

Impensável nos dias que correm, neste mundo do desporto, um inusitado e louvável comportamento.

Incrível.

Autor: Ilídio Torres

Membro da Academia Olímpica de Portugal

Comité Olímpico de Portugal

JOGOS OLÍMPICOS DE SAINT LOUIS 1904

 

ORGANIZAÇÃO:

“A bizarria e o irreal”

 


Era a terceira edição dos Jogos Olímpicos, realizada nos Estados Unidos, na cidade de Saint Louis, em 1904 - também, a terceira vez que um acontecimento daquele tipo, a exemplo das anteriores de Paris, em 1900, e de Atenas, em 1896, iria ficar manchada por uma certa bizarria, relativamente à organização e ao facto de serem integrados na Exposição Universal.

A Maratona foi uma das provas afetadas por alguma confusão e até irregularidade - a mais carismática e a mais nobre, a fechar o calendário organizativo.

Os terceiros Jogos foram, então, destinados para Saint Louis, escolha que se ficou a dever à intervenção de Franklim Roosevelt, Presidente dos Estados Unidos que puxou a organização para aquela cidade, contrariando o projeto de Chicago, cidade para onde estava inicialmente destinada - um dos argumentos invocados foi a realização da referida Feira Mundial de 1904.

A Maratona de Saint Louis foi, assim, disputada sob o signo da jactância, uma série de episódios a ultrapassar o caricato, uma organização que denunciou uma tremenda ignorância relativamente ao fenómeno desportivo - neste caso, a Maratona foi cumprida num percurso muito estranho e irregular - aquele dia 30 de agosto de 1904 foi um autêntico massacre para os trinta e dois atletas oriundos de quatro nações.

A primeira reação emanou do público assistente, há muito, farto de aguardar pela chegada dos atletas, quando precisamente, três horas e treze minutos após a partida, chegou ao Estádio o primeiro atleta, Fred Lorz, um americano, de imediato, aclamado vencedor e até alvo da homenagem de Alice Roosevelt, a filha do Presidente Americano que posou ao lado do pretenso vencedor da Maratona.

Nesse crucial momento da consagração o Estádio abanou com uma notícia que denunciava o atleta Fred Lorz como um batoteiro porque havia sido descoberto - cumprira onze milhas do percurso à boleia de um carro - apenas havia corrido quinze quilómetros e apanhou a dita boleia até faltarem sete quilómetros para o fim da prova!

Fred Lorz

Colocado perante esta acusação Lorz teve a hombridade de confessar o crime sendo de imediato afastado da competição após sancionada a sua desclassificação.






Graças a esse estratagema foi o primeiro a cortar a meta, mas acabou por ser descoberto e assim declarado vencedor o segundo atleta a cortar a meta, Thomas Hicks, um norte-americano de origem inglesa, mas também não isento de acusações relativas a atos irregulares detetados durante o caminho desde a ingestão de produtos estranhos para o tempo, caso do álcool e da estricnina.

Em termos atuai,s a ingestão desses produtos enquadrar-se-ia no fenómeno do doping. Teve início a dez milhas da chegada no momento em que, exausto, anunciou a sua desistência, intenção que foi contrariada pelos amigos que o acompanhavam de perto num carro. Declarou estar exausto, não aguentar nem mais um centímetro! Um novo esforço e uma nova paragem, outra dose de estricnina, desta feita com dois ovos, acompanhada de uma refrescadela de água oriunda de um carro que acompanhava os atletas. Uma nova paragem e uma nova insistência, até à meta. A última dose fez com que o atleta chegasse ao fim do percurso com dez quilos a menos, cambaleando, a dar conta de si, mas com alucinações! Segundo uma declaração médica Hicks correu um grande risco pois uma nova dose de estricnina mais poderia ter sido fatal - cortou a meta amparado por dois homens.

Muitos anos então se passaram até ao momento em que a ingestão de produtos capazes de alterarem as capacidades atléticas e de resistência e assim obter melhores resultados se encontra sob a vigilância apertada da lei antidoping. Estava-se quase a um século de distância desse fenómeno “doping”, numa altura em que decorria uma florescente implementação do Ideal Olímpico, um tempo em que as sucessivas edições dos Jogos iam rompendo os quadriénios previstos.


Thomas Hicks

Os atletas viviam ainda em condições muito precárias de treino e sofriam pressões constantes hoje tidas como ultrapassadas. Em Saint Louis, aquele dia de Agosto, apresentava-se demasiado quente, o ar quieto com ausência total de vento, verdadeiramente quente e húmido. A maratona foi iniciada às 14 horas e 30 minutos sendo o percurso muito duro com um início de cinco voltas ao Estádio Olímpico e a fuga para a estrada em terra batida e com a agravante de alguns automóveis a levantarem mais poeira. A primeira coisa a fazer-se sentir demonstrou a dificuldade dos atletas na respiração, uma prova tão dura que dos trinta e dois corredores, apenas catorze completaram a prova.

Toda a corrida foi um caos com as sucessivas desistências, atletas a vomitar e problemas estomacais, ferimentos por quedas.

Saint Louis 1904

A bizarria e o irreal

 JOGOS OLÍMPICOS DE INVERNO 

 INNSBRUCK 1964

 


EUGÉNIO MONTI

Tributo à glória

 

            Instado, Monti responderia que o afastamento

            dos britânicos iria possibilitar a vitória italiana,

            coisa que não teria valor nenhum porque ele

            mesmo se recusava a lutar contra vencidos!

 

 

 


 

Nove vezes campeão mundial e seis medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos de Inverno, um dos mais categorizados atletas de bobsleigh, uma modalidade que dominava e onde conseguiu atingir velocidades incríveis.

Para além dos seus feitos atléticos. foi campeão do desportivismo, o justo prémio de um extraordinário comportamento humano protagonizado nos Jogos de Inverno de Innsbruck, em 1964.

A título póstumo, seria agraciado pelo Comité Olímpico Internacional com a Medalha Pierre de Coubertin, a primeira vez que a distinção foi atribuída, um prémio eternizador da figura do visionário e idealista dos Jogos Modernos, uma autêntica Comenda que se destina a glorificar quem se evidencie por nítidas e louváveis atitudes do mais puro Espírito Olímpico. Esta distinção, uma medalha em oiro maciço, não tem, como objectivo único, premiar o desempenho técnico e atlético, uma atenção mais centrada nas qualidades humanas, reveladoras de comportamentos no âmbito da ética desportiva.

O ser humano em questão, um homem na completa dimensão do termo, o italiano Eugenio Monti, protagonista de significativos atos, capazes de lançarem o repto sobre quão difícil será encontrar, no mundo, alguém capaz de algo semelhante!

 

Eugenio Monti

Aconteceu na cidade austríaca de Innsbruck, na sede dos referidos Jogos Olímpicos de Inverno, de 1964 onde Monti era o capitão da equipa italiana na modalidade de trenó, na especialidade de duplos. Em determinado momento da prova, o italiano deu conta da existência de uma avaria técnica no trenó britânico de Tony Nash e Robin Dixon, à primeira vista, um problema de difícil resolução. Constatou que a correia do trenó estava deteorada, a possível causa de uma hipotética ou inevitável desistência. Quem presenciou a cena não pode reprimir um sentimento de plena admiração ou até estranheza relativamente à atitude de Monti que, num gesto de pura fraternidade, ele mesmo retirou a correia do trenó italiano, o seu, e a entregou aos britânicos - estes conseguiram resolver a  avaria do seu trenó, a tempo de participar na prova. Tratava-se de uma semifinal para a qual os italianos já se encontravam apurados.

Inacreditável!

Os britânicos acabariam por vencer essa série e o ansiado apuramento!

Instado sobre este procedimento Monti responderia que o afastamento dos britânicos iria possibilitar a vitória italiana, coisa que não teria valor nenhum porque ele mesmo se recusava a lutar contra vencidos! E a final iria ditar o que se temia: os britânicos venceram, conquistaram a medalha de oiro e os italianos de Monti quedaram-se por um terceiro postos!

Mas o comportamento de Eugenio Monti não iria ficar por aqui.

Nos mesmos Jogos, na primeira eliminatória da prova de trenó de quatro, a equipa do Canadá, favorita à vitória final, teve uma avaria, denotando incapacidade em resolver o problema. Sem outro motivo que não fosse o sentimento de ajuda, a equipa de Monti foi em socorro deles e disponibilizou-lhes a sua própria equipa de mecânicos que, eficaz, ainda conseguiu reparar, a tempo, o trenó.

bobsleigh


Um simples parafuso resolveu a questão!

Conforme o sucedido com os britânicos na prova de trenó de dois, a equipa do Canadá conseguiu reparar o seu veículo e ... deslizar para a vitória final, acabando os italianos por se quedar noutro terceiro lugar, uma medalha de bronze!

Duas derrotas ou duas vitórias de algo fantástico que ultrapassa a normalidade.

Eugenio Monti, era natural de Auronzo e seguiu os pais até Cortina d’Ampezo onde estudou e teve a sua prática desportiva, primeiro com muito sucesso em 1945 nos campeonatos estudantis e depois, em 1949, já campeão de Itália de ski em slalom gigante e especial. Apesar de ser uma promessa séria  foi obrigado a abandonar a modalidade devido a uma inesperada lesão, uma rotura de ligamentos, razão porque enveredou pelo trenó onde chegou a campeão do mundo e olímpico.

Teve um fim de vida muito triste.

Antes de ser apanhado pela doença de Parkinson foi nomeado Comendador da República Italiana, uma das maiores distinções concedidas a um atleta. Teve de suportar um problema conjugal, a separação da esposa, uma filha que emigrou para os Estados Unidos, a morte de um filho apanhado nas teias da droga vitimado por uma overdose e ...ele, condenado pela terrível Parkinson - em 30 de Novembro de 2003 ... o suicídio!

Melhor sorte merecia.

sábado, 19 de agosto de 2023

 

JOGOS OLÍMPICOS DE PARIS 1900

 

Michel Theato

A maratona – “um vencedor contestado”

 

 


 

As quatro dezenas de quilómetros prestes a serem cumpridas, um esforço fora do comum – ânimo recuperado e o atleta a parecer ganhar forças quando vislumbrou a meta naquela prova da Maratona dos Jogos Olímpicos de Paris, em 1900.

O presumível vencedor, um campeão olímpico, haveria de sofrer o mais estranho dos choques quando, após cortar a linha da chegada, levantou os braços a denunciar uma natural e justificada expressão de alegria e satisfação.

Estranhamente, para ele, o pior estaria para acontecer quando tomou consciência de que a receção por ele esperada, nada tinha a ver com as habituais manifestações de júbilo – caladinho que nem um peto.

De imediato, buscou uma justificação para tão estranho comportamento e quase desfaleceu quando o informaram que era o quinto classificado!

Impossível!

A exclamação solta por Arthur Newton, o desesperado e desiludido atleta, repetida, tantas as vezes, quantas as forças lho permitiram. Algum tempo decorrido, já mais calmo, abeirou-se dos juízes de chegada e disse-lhes que a partir de determinada parte do percurso deixou o pelotão para trás e mais ninguém, até ao fim da prova, lhe passou à frente!



De imediato se apercebeu que, face às informações recebidas e aos resultados apontados, alguém havia percorrido outro caminho que não o oficial, encurtou a distância e zarpou para a meta – quatro, em seu entender, foram os prevaricadores, ajudados ou não por alguém, chegaram à sua frente!

Neste clima de desconfiança ou não aceitação do resultado, um outro atleta norte-americano, Richard Grant, foi também denunciar à organização que, em determinado momento da prova, foi ultrapassado pelo já anunciado, Michel Theato, montado numa bicicleta!

O certo é que o luxemburguês, a representar a França, foi mesmo considerado vencedor e as reclamações efectuadas não foram atendidas.

Uma história a rondar o anedótico, prenhe de fantasia ou uma invenção.

Esta prova da Maratona dos Jogos Olímpicos de Paris, em 1900, parece ter deixado dúvidas ou desconfianças relativamente ao seu vencedor, Michel Theato, um cidadão luxemburguês que muito novo, com doze anos, emigrou para França e acabaria por ser inscrito como francês!

Quem mais barafustou contra a vitória do francês emprestado foram os americanos, sem sucesso.

O fenómeno do Olimpismo Moderno estava a dar as primeiras passadas e as organizações das primeiras edições manifestaram-se muito aquém do que era exigido, um começo titubeante, um desempenho organizativo que aos poucos ia ganhando corpo e atingindo níveis de exigência normais.

Relativamente à vitória de Michel Teatho e a hipótese colocada de que havia percorrido um caminho diferente do programado, não pode ser posta fora de hipótese atendendo a que ele conhecia perfeitamente as ruas de Paris, atalhos que dominava, muito bem, dizem que devido à sua profissão. Informações dão-no como empregado de uma padaria, uma mais-valia para ser um conhecedor das ruelas de Paris onde distribuiria o pão. Esta teoria é afastada por alguém que afirma não ser padeiro, antes carpinteiro!

Os historiadores Olímpicos André Drevin e Raymond Pointu ocuparam-se deste problema tendentes a condenar Theato, um facto que perece nas dúvidas do tempo e nas hipóteses porque também é verdade que ninguém tem a certeza do que realmente aconteceu.

Relativamente à naturalidade de Michel, foi confirmado que por altura da realização dos Jogos de Paris, o luxemburguês deveria estar no serviço militar daí a sua possível naturalização antes de 1900. De igual modo, o Luxemburgo nunca reivindicou a vitória ou então eram coisas que passavam à margem da lei.

Relativamente às acusações de que o vencedor tenha percorrido outro trajeto, a deitar água na fervura, surgiu o jornalista Frantz Reichel que fez a cobertura da Maratona para “O Jornal dos Desportos”, afirmando que Michel Theato cumpriu o traçado.

A completar este cenário apareceu Dick Grant a processar o Comité Olímpico Internacional por ter sido atropelado por uma bicicleta deitando as culpas para a organização e alegando que o veículo estava a dar apoio a Theato.


Maratona de Paris 1900


Otto Mayer, representante do COI, confessou-se impotente para resolver este caso alegando não estar na previsão da organização.

A suspeita da vitória do luxemburguês continuou para muita gente, em especial para os anglo-saxões que se inclinavam para o não cumprimento do percurso oficialmente traçado.


Entusiasmado com a vitória na Maratona de Paris, em 1900, Michel Theato optou pela profissionalização uma coisa que parece não ter resultado em virtude da ausência do conhecimento público de possíveis vitórias. Também não teve uma vida muito longa, faleceu em 1919 com quarenta e um anos.

Interessante que só decorridos dois anos é que o Comité Olímpico Internacional homologou a vitória de Michel Theato.