JOGOS OLÍMPICOS DE LONDRES 1908
DORANO PIETRI
Um pasteleiro com
sorte!
“Não
tenho medalha, nem diploma, nem uma coroa de louro
para
lhe dar, senhor Pietri, mas, para que não leve só más
recordações
do nosso país, receba esta taça de ouro, como
prova
da nossa admiração pelo seu comportamento”.
(Rainha Alexandra - no Estádio)
A prova mais exigente e difícil.
Alguns quilómetros por vencer ainda e os atletas a
evidenciarem, com mais intensidade, os efeitos de tão penoso esforço.
Decorria a prova da Maratona de Londres, 1908, a quarta
edição dos Jogos Olímpicos e a temperatura ambiente que se fazia sentir nessa
derradeira semana de Julho, quiçá inesperada naquele ambiente londrino,
começava a evidenciar no esforço e na energia despendida. Nitidamente cansados,
os atletas acusavam já uma notória desidratação, uma menos valia para a
distância que ainda faltava percorrer mas que, a muito custo, ia sendo cumprida
- assim até ao fim, pelo menos para os que conseguiram cumprir tão grande
distância.
Por essa altura, um atleta arrastava-se com a meta muito
próxima, quase à vista. Havia alcançado a frente da corrida e no comando já, tinha
os olhos assestados naquele tão desejado fim, ali tão perto. Alcançada a porta
do estádio, completamente trôpego, enfiou-se pelo lado errado - estatelou-se,
desamparado, no início da pista. Recebeu, de imediato, a presença de alguns
juízes mais interessados em valer ao infeliz do que cumprir o seu papel.
O público assistente mexeu-se no estádio e já só tinha
olhos naquele ser humano, o italiano Dorando Pietri que continuou a receber a
ajuda dos juízes de chegada e até de responsáveis médicos em serviço. Foram,
mais quatro, as vezes que voltou a tombar na pista e tantas as que voltou a
levantar-se, um último esforço em direcção à meta que acabou por alcançar,
amparado por um juiz e um médico.
Após cortá-la desmaiou mesmo e foi transportado em maca
para o posto de socorros.
O italiano completava a prova com um tempo de duas horas,
cinquenta e quatro minutos e quatro segundos mas, para os derradeiros
quinhentos metros foram necessários quase dez minutos! Era o vencedor da
Maratona e o segundo a chegar foi o norte-americano Johnny Hayes.
O presumível vencedor, o italiano Dorando Pietri, nascido
em 15 de Outubro de 1885, era oriundo de uma família de camponeses que, em 1879,
se radicou em Capri com a intenção de se dedicar ao comércio de frutas e
legumes - pai, mãe e quatro filhos - um deles, o Dorando, entrar no ofício de
padeiro. O jovem tinha duas paixões: a bicicleta e correr a pé pelas ruas de
Capri, um gosto que mais se acentuou um dia em que foi assistir a uma prova
local que incluía um dos mais famosos de então, o italiano Péricles Pagliani.
Assistente, entusiasmado, em determinado momento, não resistiu e desatou a
correr ao lado do ídolo italiano, vestido como estava, sem qualquer adereço
desportivo. Teimoso, resistiu e cortou a meta ao lado de Pericles. Esta louca
experiência seria o embalo futuro para a sua inscrição numa prova de três mil
metros a realizar em Bolonha. Participou e ficou em segundo lugar – foi o tiro
de partida para uma futura entrega às corridas. Deu, então início a uma espécie
de plano de treinos e daí os seus primeiros triunfos, em Itália e na França.
Foi experimentando maiores distâncias até que, em 1906, ficou apurado para uma
espécie de Jogos Olímpicos Intermédios a realizar em Atenas, uma prova em que
desistiu. Seguiram-se mais participações e mais vitórias até atingir o topo do
fundo italiano – foi a sua carta de
recomendação para Londres.
Foi então que o italiano livre de concorrência forçou o
andamento mas “gripou os rolamentos”.
O pior estava pata acontecer.
Apesar de vitoriado e tido como vencedor da Maratona, choveram
os protestos e a guerra instalou-se na secretaria.
Os dirigentes norte- americanos pediram a desqualificação do italiano denunciando
o comportamento da chegada como anti-regulamentar, mais concretamente o comportamento
dos juízes de pista e dos médicos de serviço. Cientes da consistência da
reclamação dos responsáveis americanos, outro facto aconteceria: convencidos de
que o pasteleiro iria ser desclassificado, Hayes saiu do Estádio Olímpico aos
ombros dos seus compatriotas e aclamado campeão da maratona!
Entretanto, o pobre do italiano estava entre a vida e a
morte.
E Dorando perdeu mesmo a corrida devido à desclassificação.
No dia seguinte, o nosso homem já recuperado e livre de
ter embarcado “desta para melhor”
compareceu no Estádio e ouviu da própria Rainha Alexandra as seguintes palavras
que iriam modificar por completo a sua vida futura: “ Não tenho medalha, nem
diploma, nem uma coroa de louro para lhe dar, senhor Pietri, mas, para que não
leve só más recordações do nosso país, receba esta taça de ouro, como prova da
nossa admiração pelo seu comportamento”.
Entusiasmado o italiano deu uma volta de honra ao Estádio
vibrantemente aclamado pelo público como se fosse o verdadeiro campeão olímpico
da maratona.
O jornal londrino Daily Mail abriu uma subscrição pública
que rendeu 300 libras, uma importância muito grande para a época. Posteriormente,
Dorando enveredou pelo profissionalismo no atletismo. Numa das viagens que
efectuou aos Estados Unidos, voltou a correr a maratona e a ganhar a John Hayes
por duas vezes, em 1908 e 1909.
Foi considerado um dos grandes maratonistas de todos os
tempos.
Acabou a vida não se sabe como, dizem que como motorista
de táxi, na cidade italiana de Capri, sem um vintém, vítima de um golpe
financeiro de um seu irmão de sangue – outros dizem que não, pois acabou rico e
dono de uma cadeia de lojas dedicadas à pastelaria.
Um homem de sorte!
"Autor: Ilídio Torres,
Membro da Academia Olímpica de Portugal,
órgão do Comité Olímpico Português."
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