sábado, 19 de agosto de 2023

 

JOGOS OLÍMPICOS DE ATENAS 1896

Leon Flameng

“Desportivismo puro”



 

“Uma avaria mecânica obrigou o grego a encostar à berma da pista do velódromo - espanto para quem assistia, o francês Leon Flameng, de imediato, interrompeu também a sua prova e foi ao encontro do adversário -  chegou-se até junto de Georgios Kolletis e ajudou-o a solucionar o problema“

 

Jogos Olímpicos de Atenas, 1896, a primeira edição da Era Moderna - de todas as modalidades integrantes, no ciclismo, a prova dos cem quilómetros demarcou-se como a mais penosa, com o desempenho da maioria dos atletas a quedar-se por um nível muito aquém das expectativas geradas.



De uma dezena de ciclistas participantes, somente dois, o francês Léon Flameng e o grego Geórgios Kolletis, conseguiram demonstrar valia e capacidade para tão custosa tarefa - uma prova, inicialmente destinada para um percurso de estrada acabou por ser realizada no Velódromo de Falero ou de Nova Faliro onde, trezentas voltas completaram e justificaram a distância estabelecida.  Esta infraestrutura, destinada às provas de ciclismo, haveria de, posteriormente, ser transformada no Estádio Karaiskakis, e tinha os seus planos de construção inspirados no velódromo francés de Arcachón, uma sugestão de Pierre de Coubertin.

Com um já considerável número de quilómetros vencidos, os dois atletas foram-se distanciando do resto do pelotão, um reduzido número que ia ficando para trás, acusando a fraqueza das suas pernas - o francês e o grego foram, em gradual vantagem, sugando o resto do percurso.

De repente, o azar colou-se a um deles!

Uma avaria mecânica obrigou o grego a encostar à berma da pista e, espanto para quem assistia, Leon Flameng, de imediato, interrompeu também a sua pedalada e foi ao encontro do adversário - uma atitude de puro desportivismo, um comportamento que haveria, no futuro, ser apodado de fair-play, um neologismo a vogar pelos meandros da língua mas, infelizmente, hoje, gasto de tão evocado mas não cumprido, nem respeitado como merecia!

O gesto do francês constituía, sem dúvida, a expressão de um genuíno e saudoso tipo de atitude humana, esse tão bafejado desportivismo, naquele tempo vivido e liberto ainda das desmesuradas pressões que no futuro o iriam abastardar - tributo a Pierre de Coubertin que, numa atitude pedagógica, sempre defendeu e valorizou o interesse “na participação desportiva, independentemente do resultado”. O episódio, agora evocado, deverá ser considerado, como a primeira, conhecida e oficial amostragem da perene demonstração desse mesmo autêntico espírito olímpico.




A Grécia recebia os primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna, dois anos decorridos sobre o Congresso da Sorbornne, em Paris, em 23 de Junho de 1894, uma assembleia magna que reuniu personalidades de vários países e de onde brotou a formação do Comité Olímpico Internacional - Pierre de Coubertin via, assim concretizado o seu desejo da recriação olímpica e a internacionalização daquele fenómeno desportivo: dez países, trezentos e onze atletas e nove modalidades desportivas presentes em Atenas para a sua efetivação.

Retomando o fio motivador, no desenrolar da referida prova de ciclismo, a supremacia de ambos, do francês e do grego, foi sendo demonstrada e conforme a distância ia sendo cumprida, quilómetro a quilómetro, ambos foram deixando fora de hipótese os restantes ciclistas, numa época em que a modalidade ainda se apresentava muito insipiente.

Leon Flameng ajudou mesmo Geórgios Kolletis a solucionar o problema mecânico. Após a reparação da avaria, ambos montaram, novamente, as suas máquinas e deram continuidade à pedalada, rumo à meta. Coube ao francês o mérito e a satisfação de a cortar em primeiro lugar, com algum avanço sobre o grego - um prémio duplo - gastou 3h 8m e 19s para satisfazer aqueles cem quilómetros  tornava-se campeão olímpico.

Leon Flameng foi levado em triunfo pelos espectadores mais entusiasmados, um  magote de assistentes de entre os possíveis vinte mil presentes que vibrou com o seu êxito - cortaria a meta com uma bandeira francesa, ondulante, presa a uma das pernas. Nestes Jogos de Atenas de 1896, Flameng ainda conseguiu o segundo lugar na prova de 10 quilómetros com o mesmo tempo do seu compatriota Paul Masson, gastando dezassete minutos, cinquenta e quatro segundos e duas décimas - foi terceiro na prova de sprint com o tempo de 27 segundos.  Independentemente da popularidade granjeada naqueles Jogos Olímpicos de Atenas, Flameng gozava já de um certo prestígio entre os franceses embora tivesse confessado o seu desagrado por nunca ter participado num campeonato mundial. Ficou como um herói da sua pátria.

Quando participou nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 1896, contava apenas dezanove anos de idade, muito novo ainda quando, na presença do monarca grego, George I, recebeu a Medalha que ficaria para a história como o primeiro campeão olímpico do ciclismo.








Dez anos decorridos, iria tombar, incluído no extenso rol dos atletas olímpicos imolados na Primeira Grande Guerra, uma morte adiada porque já antes havia passado por momentos aflitivos. Era piloto aviador e no posto de sargento, no dia 21 de Junho de 1916, quando realizava um voo de reconhecimento sobre Verdun, foi surpreendido por um ataque inimigo – o companheiro, o piloto navegador, foi abatido e ele mesmo sofreu um tiro no rosto, um desastre que não o impediu de continuar ao comando do seu avião e conseguir chegar a terra firme. Miraculosamente, havia sobrevivido e após ser retirado da carlinga, seguiu para um hospital de campanha em Vadelaincourt onde sofreu uma intervenção cirúrgica e foi alvo de uma cuidada atenção.

Três meses decorridos, apesar de ainda estar sob vigilância, tomou a decisão de abandonar o hospital e continuar a tarefa que havia sido interrompida, mesmo contrariando os avisos médicos – uma teimosia justificada pelo seu espírito guerreiro e o seu amor à pátria, reconhecido por duas citações para a Cruz de Guerra.

Após retomar as funções de piloto, Flameng iria realizar voos de reconhecimento nas regiões de Thionville, Hayange e Rombach, as zonas mais afetadas pela ação inimiga. Pilotava um bimotor numa missão de ensaio e foi num desses testes que iria encontrar a morte devido a uma avaria mecânica - a máquina despenhou-se e ele não foi capaz de abrir o paraquedas.

Um campeão infeliz!





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